este ano perderam-se muitas coisas na minha vida. não se perderam todas porque não foram possíveis mais. no entanto, ganharam-se outras irreversíveis. e fico feliz por isso. por conseguir ainda sorrir nos dias menos bons, e por ouvir música boa ou ler livros mágicos em noites tempestuosas. fico feliz pelo sol que me queimou a pele no Verão, pela louca persistência que me conheci, pelas tuas mãos e pelos teus beijos. tenho pena das palavras que não consegui dizer, pelos pedidos que não fiz, pelas frases que dançaram no meu peito sonos inteiros. a verdade é que nem sempre olhamos para a frente como devemos.
as malas estavam arrumadas ao lado do sofá vermelho, a única coisa que sobressaia naquela sala branca. eram apenas duas e quando foram ali colocadas, transmitiu aquele sentimento de termos levado uma vida medíocre, tão medíocre que cabia em duas malas de tamanho médio. não se queria atrasar, mas também não queria chegar antes da hora para depois ter de ficar ao frio, portanto ia controlando o tempo pelo relógio de cuco. pegou no telefone e marcou rapidamente o número. esperou por uma voz do outro lado da linha e pediu um táxi. sabia que demoraria provavelmente 5 minutos e achou por bem começar a despedir-se. olhou pela sala, com a certeza que se tinha esquecido de alguma coisa importante mas desistiu de a procurar. o resto da casa estava vazia e o tempo por aí percorrido foram segundos, só os suficientes para ver uma última vez as esquinas e marcas nas paredes. passou pelo espelho enorme pendurado à porta de casa e sorriu, não porque estava feliz mas para ver como ficaria quando sorrisse ao encontrar alguém. saiu finalmente, já não aguentando sequer o cheiro que continuava ali impregnado e esperou calmamente pelo táxi. se passar um carro antes do ponteiro dos segundos chegar ao 8, é porque vai correr tudo bem. e um carro passava. e dali a pouco, repetia. se um carro passar, antes do ponteiro chegar ao 4, é porque esta foi a melhor escolha. e um carro passava. finalmente, foi o táxi a chegar e ela respirou tão fundo que sabia que não podia voltar atrás. entrou e fez o sorriso treinado. é para onde menina? , estação de comboios, stª apolónia. o táxi arranca e ela pensou se alguém daria pela falta dela, se alguém a procuraria. só depois teve a certeza que a única pessoa que quereria saber notícias dela desaparecera também. entenda-se isto não como vingança, mas como um acto de amor próprio.
muito custa o tempo a passar até que chegue a felicidade, mas quando ela chega não sei muito bem o que fazer. hoje perdi-me dentro de mim, não consigo falar. sabem quando há tanta coisa para dizer e parece que se bloqueia tudo? é isso que estou a sentir. precisava muito de um beijo, de uma cumplicidade, de um 'gosto de ti' de verdade, de um rapto. agora.
sentiu a vida desaparecer, como os aviões fogem na pista de descolagem. bebeu um café, desenhou o risco nos olhos e bateu a porta com força. odeia começos e todos os dias não passavam de começos. queria ser o que nunca foi. queremos sempre ser o que nunca fomos.
tem a pele gasta pelo sol e sorri porque faz parte do seu feitio, para camuflar a dor na alma que a asfixia. bebe café de viena nas noites em que se sente mais sozinha. sonha todos os dias acordada, às vezes ao som de jazz, outras vezes bossa nova. queria ser mais feliz. feliz no sentido de conseguir acordar todos os dias com um sorriso verdadeiro nos lábios, com o coração descansado e com todas as pessoas que lhe dizem algo mais perto. vive ao sabor do vento, e logo ela, que não gosta de vento.
daquela vez foi diferente: adormeceu a achar que até era uma pessoa feliz, comparando-se com outras que conhecera ao longo da vida.
queria fazer ainda muita coisa que não sabia como, mas o que contava agora é que antes de dormir, eram pensamentos bons que a invadiam e aquela voz que lhe dizia que a amava, muito.
só agora, depois de ter chegado a casa, é que me apercebi do passo importante que tomei hoje. finalmente as coisas começam a ganhar forma e isso não deixa de ser perturbadoramente lindo.
como um relógio pendurado na parede, ela sabia que a hora tinha chegado. segurou-se firmemente no corrimão e jurou que nunca mais voltaria àquele lugar. a porta estava entreaberta e de lá provinha um cheiro adocicado, um aroma envolvente de amêndoa e caramelo. aquele lugar era bonito, mas ela sabia que para lá não podia voltar. nunca mais.
ok, é um erro. eu sei que é um erro mas há certas coisas na vida onde tu sabes que é um erro, mas não tens bem a certeza se é porque a única maneira de realmente saber se é um erro é fazê-lo, olhar para trás e dizer: yap, aquilo foi um erro. portanto, o maior erro seria não cometer esse erro, porque depois passariamos o resto das nossas vidas sem saber se aquilo seria um erro ou não.
(lily, himym)
ela deslocava-se lentamente por entre as mesas do café apinhado para conseguir chegar à rua. contornava-as com cuidado, não fosse bater em algo ou um cliente mais distraído chocar contra ela enquanto se virava para ir ao balcão. ela não falava com ele há mais de um mês e andou a tentar enganar-se, só a si mesma, com outra pessoa. quando chegou finalmente à rua, sentiu o telemóvel vibrar no bolso. era o outro, com quem ela firmemente tentava iludir-se. não lhe respondeu, afinal, aquela farsa já tinha sido descoberta e agora só se detinha a pensar que já fazia mais de um mês que recebera notícias de quem ela realmente queria saber. mesmo que tivesse uma pequena vontade de responder à mensagem, não conseguia pois as 725 mensagens já com um mês e uns dias dificultavam a vida ao pobre telemóvel. ainda pensou em apagá-las, assim todas de uma vez, mas ela nunca apagava sem saber o que lá estava contido, portanto detinha-se a lê-las e no final, era-lhe impossível desprender-se. compreenda-se, ela nunca gostou dele, mesmo agora que se apercebeu que tem saudades, não gosta dele. no fundo, só tem saudades, porque a farsa que andou a usar nestas últimas semanas foi abaixo e já não tem nada. compreenda-se, ela nunca irá gostar dele, mas ficará sempre mais satisfeita se pensar que gosta. e principalmente, que ele gosta também.
e cheguei ao ponto a que todos os que me conhecem desejavam firmemente eu não chegar mas que apesar de tudo sabiam no seu íntimo que isso, mais cedo ou mais tarde, teria que acontecer. tenho a cabeça demasiado pesada, e os lábios continuam a ser mordidos todas as noites para conter o choro que turva a visão. estou vazia, dos pés à cabeça, porque há dias em que simplesmente não vale a pena. às vezes não vale, porque alguém não disse que gostava de nós. e eu sei que isso não é tudo, mas quando não passa uma única música boa no caminho para casa, nota-se mais. depois de tudo, só consigo ter vergonha. vergonha perante as pessoas que viram isto acontecer comigo e não se sentiram bem em não poder fazer nada. vergonha perante todas as vezes em que lhes faltei, mesmo quando mais precisavam. vergonha por não conseguir sair da maldita situação em que me encontro e vergonha pela maneira a que lá fui parar. só tenho vergonha, porque de resto, já disse e repito, fiquei vazia.
"tens um sorriso enorme e sempre que olhavas para mim, sentia uma fábrica de borboletas no estômago e tinha vontade de rir e de chorar ao mesmo tempo, porque sabes fazer-me a pessoa mais feliz do mundo."
a única mensagem no mundo que continuo a achar verdadeira, embora já tenha mais de três anos. nunca mais falei de ti e já nem o posso fazer porque já não te conheço, apenas sei falar da amizade que tinhamos. sinto a tua falta e se me perguntasses agora como eu estava, dava-te a resposta sincera que não tenho dado a ninguém. não estou bem, não estou nada bem. só para ouvir depois, vai ficar tudo bem. eu estou aqui, ao teu lado., e acreditar nisso. acreditar porque já não tenho mais nada onde me apoiar. e juro que se me aparecesses agora à frente, eu esqueceria estes dois anos em que nenhum de nós fez um esforço para não perdermos o que tinhamos. dré
há pessoas que estão sempre associadas na minha cabeça a outras. ou porque fazem um casal bonito, ou porque têm uma das melhores amizades com que já me deparara, ou simplesmente porque sim. com o tempo, essas pessoas acham novas pessoas, e o processo de associação repete-se. por mais bonito e por mais amor que tenha havido, vai chegar uma altura em que encontraremos outras pessoas. isso nunca nos parece possível, na altura, e pensamos sempre que mesmo que encontremos alguém lembraremo-nos sempre da outra pessoa. é certo. ainda me lembro do meu primeiro namorado, mas isso não quer dizer que queira voltar para ele. lembro-me, porque foi importante, mas mesmo assim é uma memória ténue. podemos achar-nos portadores das maiores injustiças do mundo, quando o amor acaba. podemos ficar mal e sentir-nos desiludidos, mas acaba sempre por passar.

é de 2009 e continuo a acreditar em tudo o que escrevi
disse-lhe que nunca iria saber como era ser ela. mas que sabia o que era querer morrer. como dói sorrir. como tentas encaixar-te mas simplesmente não consegues, como te magoas exteriormente para tentar matar a coisa interior.
tenho saudades tuas e não te quero dizer. tenho medo que fiques a saber a falta que me fazes. tenho medo que eu não te faça assim tanta falta.
amou-a vinte anos em silêncio, mas um dia ela pronunciou "lábios", "mijo" e "lixo" numa mesma frase. ele não gostou. pareceu-lhe porco, pareceu-lhe vil, injusto. que mulher horrenda, que desperdício de sentimento. e em vinte minutos desamou-a. que digo eu? em vinte segundos desamou-a para sempre. respirou fundo e retomou a vida.
sim, o amor é cego, mas quando vê, oh, meu deus, quando começa a ver..
nunca farás ninguém feliz. mas porque é que isto não vai dar certo? porque voces não estão apaixonados, tu não estás apaixonada por ele. a paixão cega as pessoas. a paixão é uma faixa que nos aperta os olhos. nunca farei ninguém feliz porque sou muito egoísta. porque guardo todas as emoções para mim. não consigo amar ninguém mais do que a mim mesma.
de repente ouvi o meu coração. quantas vezes já ouviste o teu coração? conta-las pelos dedos porque não te lembras ou porque foram realmente poucas. de repente doeu-me muito a barriga e a minha garganta ficou seca. isto não são clichés, e eu sei que tu sabes que não são, porque já sentiste esta sucessão de sentimentos, por esta mesma ordem. de repente descubro uma coisa que não quero, apesar de a adivinhar. de repente deixo de fazer a tarefa muito importante que estava a fazer e jamais me consigo concentrar nela porque vi aquelas imagens que eu não queria ver. de repente desejei vingança para depois descartar logo essa hipótese. porque não mereces, porque estás noutra, porque eu afinal não fui nada, porque tu só foste um movimento de coincidências que eu não queria ter gostado. de repente a minha sobrevivência escorreu das mãos de alguém e ficou presa algures. de repente.
ele insistia em perguntar o meu nome. mesmo depois de eu lhe explicar que não era preciso sabê-lo. mas ele não desistia e por isso articulou um discurso que defendia que tem que haver pelo menos um toque de verdade nos relacionamentos, mesmo que seja só o nome.
beatriz, inventei.
é terça-feira, foi um dia mau e nem que me ligasses a admitir que estavas errado e que tens saudades de falar comigo deixaria de o ser. tenho os lábios a sangrar, uma dor de cabeça que durou a tarde inteira e não há ninguém que me deseje boa noite. sim, estou longe de estar feliz.
zangar-me com alguém via telemóvel é a coisa mais frustrante que pode existir. ambos repletos de orgulho, vendo os dias passar, as coisas que ficam por dizer, os desencontros. tudo em vão. e depois, fico sentada na cama, esperando uma mensagem tua e nada. são nesses momentos que me apetece chorar e admitir que errei, mas, no entanto, espero que tu me mandes mensagem, sempre tu primeiro, dando o primeiro passo para esta reconciliação fútil que nos está sempre a acontecer.
foi ele que me deu a conhecer caetano veloso. diz que a sua música, Patrícia, foi escrita a pensar em mim e isso fazia-o perguntar-me muitas vezes se todas as patrícias eram assim. eu era, por isso acreditei que ele me conhecesse realmente bem. até que se apaixonou por mim e achou que eu não o magoaria. incrivel como as pessoas se enganam sempre a meu respeito.
ouvi a história de amor da minha avó. de como ela aceitou o pedido de namoro de um rapaz que conhecera no dia anterior, só para se vingar do seu antigo namorado que se andava a meter com todas as raparigas da aldeia e a partir-lhe o coração. se pelas mentalidades dessa geração, se pelo destino lhes ter reservado aquele encontro, o que é certo é que ela continua hoje casada com o mesmo homem com quem começou a namorar sem sequer conhecer. chamem-lhe amor à primeira vista.
não tenho mais energias para isto. para tanta falta de amor, abraços nos momentos certos, um sorriso mais fiel. sim, estou desiludida e já não consigo negar mais isso. a vida não foi como eu estava à espera e continuo a enganar-me com fogos de vista. eu não estou bem, não estou nada bem. não é estar triste, é estar incapacitada para mais. perplexa, sem braços e pernas.
chega um dia em que colocamos tudo em causa, isto porque o azar chegou em má altura. mas afinal há uma boa hora para ele chegar? não sei. não sei nada. adormeço todos os dias a pensar no dia em que estarei um pouco melhor. acordo sem a mínima vontade de assistir a aulas que já venceram a data de validade. tive os dias mais tristes, o nó no peito, a retoma dos comprimidos. mesmo assim, ainda penso: talvez ainda venhamos a ser felizes - impressionante a capacidade optimista do ser humano.
quero outra vida, outras pessoas, outro corpo, outra linha de raciocínio. permaneceriam apenas as minhas melhores amigas.
sou uma pessoa que nunca está satisfeita totalmente. há sempre um vazio a preencher. vivo constantemente numa corda bamba vertiginosa. coração nas mãos, alma desfeita. um dia haverá uma forma de nos esquecermos de tudo. de olharmos para sítios e não nos lembrarmos de pessoas importantes que por um motivo ou por outro já não existem nas nossas vidas. haverá forma de camuflar a tristeza. limpar as lágrimas apenas em momentos perfeitos.
se caíres no esquecimento, deixa-te ficar, porque sair de lá é como fugir de casa na véspera de natal. se te deixarem, não tentes correr atrás: sai, solta o cabelo e finge que nem reparaste que ninguém te ligou. as pessoas só amam aquilo que perdem. não voltes para ninguém, não perdoes, não esqueças. porque fazê-lo é como voltar para casa quando o natal acaba. inútil.
hoje queria uma praia só minha, um sol enorme no corpo e uma noite estrelada no céu. uma mensagem tua no meu telemóvel a dizer 'gosto mesmo muito de ti' e um prato de crepes acabados de fazer. a certeza de que, afinal e apesar de tudo, ainda há coisas boas que acontecem.
não sei porque gosto tanto de ti, se a tua lista de defeitos é maior que a de qualidades. se nunca me disseste nada que realmente valesse a pena. se nunca me acariciaste o rosto com verdadeira doçura. não sei porque demoro a adormecer, porque demoro a desistir de um fim que jamais terá início.

eu sou aquela que fica à espera só porque fica bem, que obedece a um convite porque recusar é de mau tom. sou aquela que sorri sempre ao telefone para dar a sensação de boa disposição. sou rídicula, de facto.
tenho que confessar que espero sempre pelas oito da noite para receber uma mensagem tua. sinto falta das longas conversas que tinhamos nessas noites confusas e abafadas. sabias falar-me como ninguém. falavas interminavelmente sobre a vida, sobre o mundo, sobre as pessoas, como eu tanto gostava. na verdade, tenho saudades tuas e todos os dias me arranjo para te encontrar, ao acaso, num virar de esquina. nunca encontro.
tenho a certeza que vou ficar maluca outra vez. sinto que não conseguimos atravessar outra dessas terríveis fases. e eu não consigo recuperar desta vez. estou a começar a ouvir vozes e não me consigo concentrar. portanto vou fazer a coisa que me parece mais acertada. deste-me a maior felicidade possível. tu tens sido em todos os aspectos tudo o que alguém podia pedir. acho que duas pessoas não poderiam ter sido mais felizes juntas, antes desta horrível fase ter chegado. já não consigo lutar mais. eu sei que estou a estragar a tua vida e que sem mim consegues funcionar. e tu vais funcionar, eu sei. vês, eu nem consigo escrever isto apropriadamente. não consigo ler.  o que eu quero dizer é que devo-te toda a felicidade da minha vida. tens sido totalmente paciente comigo e incrivelmente bom. eu quero dizer isto - toda a gente o sabe. se alguém me pudesse ter salvado, terias sido tu. tudo se foi de dentro de mim, excepto a certeza da tua bondade. não posso estragar mais a tua vida. eu não acho que duas pessoas poderiam ter sido mais felizes do que nós fomos. vw
e é estranho como não deixo de pensar, quando vejo woody allen a dizer isto, se será o mesmo que pensas de mim.
e foi hoje ao ler novamente uma conversa antiga em que eu afirmava que os rapazes eram todos iguais e de que não havia nenhum como aqueles que apareciam nos filmes de sábado à tarde, os que amam verdadeiramente, que esperam por nós, que se declaram como sempre quisémos, que me apercebi de que afinal há. na nossa vida, encontramos sempre rapazes desses. eles amam-nos, imenso, declaram o seu amor por nós e esperam pacientemente que façamos o mesmo. o problema é que geralmente nunca o fazemos.
estou farta de hesitações e disfarces. é por isso, que quando o amor um dia se lembrasse de bater à minha porta de novo, eu não queria hesitar. não queria olhá-lo pelo monóculo do outro lado do meu mundo, pensando se devia arriscar ou não. queria sinceramente abrir a porta de casa, e apertá-lo contra o meu peito e somente amar, amar e não perguntar nada em troca. mas tenho medo, demasiado medo.
preciso de uma boa razão para me deixar levar, uma boa desculpa para deitar tudo para trás das costas e ir contigo. adoro pessoas que vivem à beira do abismo, mas infelizmente, por vezes, reflicto em certos pormenores e vejo que não sou uma combatente dessa tripulação. queria tanto viver assim, o presente e nada mais, sem martirizes do passado. até onde irias para seres verdadeiramente feliz? eras capaz de saltar do teu comboio em andamento e voltar de novo para a estação de partida, a pé, e esperares por outro comboio, mas agora para um destino completamente diferente? por mais que tente, não consigo achar essa resposta.
ele estava do outro lado da rua e nao aconteceu completamente nada. ficaria sem fôlego apenas se levantasse o olhar. somos parvas, demasiado sensiveis. queria nem sequer responder-lhe às mensagens, ou dizer que amanhã tenho uma entrega de um trabalho muito importante. não sou capaz.
eu tenho muito medo de ser feliz. parece estranho, eu sei. mas eu explico-te: ser feliz tem minutos contados, e o meu medo centra-se naquele instante em que escorregamos para o abismo.
nunca soube falar-te mais do que em metáforas. foste sempre a única pessoa a percebe-las, por mais profissional que eu me tenha tornado a dizê-las. metáfora não é uma forma de subentendimento. aqui não ficam palavras por dizer ou sentimentos escondidos que alguém percebe. numa metáfora, diz-se tudo o que se tem a dizer, mas se possível duma forma mais bonita, mais delicada. como sempre entendeste as minhas, eu nunca te escondi nada, nem mesmo as piores coisas sobre mim que eu te contava por via metaforica. a essas chamavas-lhes de geniais e isso incitava-me a melhorar cada vez mais. melhorei imenso, quase profissional, e agora tenho medo que já não as consigas perceber. se não o fizeres tenho a dizer que não me percebes a mim também. é por isto que, por vezes, queria saber-te falar sem ser por metáforas. não queria dizer-te as coisas duma forma delicada, porque eu própria não o sou, mas a verdade é que já ambos estamos habituados a não ser de outra forma. se eu te dissesse agora: vai à merda, aposto que ainda me aplaudirias e genial, gritarias tu. é uma pena.
e não sabes tu, que por ti eu até fazia a dança da chuva. estou a tornar-me doentia, eu sei, mas não te preocupes meu amor, está tudo sob controlo. deixa-me só ler a tua última mensagem pela milésima quarta vez hoje que eu fico bem, prometo.
não acho justo que a melhor parte do meu dia seja quando te vejo. desaparece, a sério.
para que saibas eu tenho defeitos e manias. adoro pôr molhos em qualquer prato que como, por isso certamente vou gastar imenso dinheiro à conta da minha felicidade; acordo a maior parte das vezes rabugenta; ouço uma música cem vezes, se for preciso, desde que esteja nessa onda; gosto de ficar em casa um dia inteiro, a não ser que me convençam do contrário; sou viciada em bolos de arroz e só sei cozinhar crepes. achas que vamos ser felizes?
não, nem sempre é fácil. gostaria de poder dizer que, todos os dias quando acordo, há qualquer coisa garantida que me faz feliz mas não vejo hora disso acontecer. quando parece que o trilho se vai formando, há uma porção de pedras que o vão atropelando. sem saber, encontro constelações na noite, mas jamais as conseguirei descodificar.
isto até poderia ser uma metáfora, mas não é.
fez as malas e quis nunca mais voltar. não dobrou a roupa, apanhou-a à pressa numa bola de tecido. esqueceu-se completamente da roupa interior e exagerou levando todos os colares, todos os anéis, todos os brincos, todas as pulseiras. o Inverno é horrível - pensou - mas em Berlim vai estar pior.
apesar de ter a maior pressa em escapar daquele cubículo hediondo, não queria pensar sequer em deixar as suas colegas do ballet.
é no quase-calor das 15.00 marcadas no relógio do computador que me acho a pessoa mais sortuda do mundo. depois guardo todas as coisas na mala, enfrento o gelo da rua e quase corro para o carro. penso em ti - penso sempre em ti - e depois de ligar o rádio, acho que o nosso problema é de comunicação. nada mais que isso.
quando nos perdemos, pode levar algum tempo até que nos apercebamos disso. podemo-nos convencer, durante imenso tempo, que apenas nos afastámos do nosso caminho e que o vamos encontrar de novo a qualquer momento. então, a noite cai uma vez e mais outra, e ainda não fazemos a mínima ideia de onde estamos. aí, é a hora de admitirmos que estamos desnorteados e nos afastámos tanto do nosso caminho que já não sabemos sequer de que direcção nasce o sol. quem sabe acabemos por encontrar uma bússola no fundo da mala.
e só ontem me apercebi na quantidade de vezes que tenho vindo a pedir desculpa e na quantidade de pessoas que tenho vindo a magoar, não só recentemente, mas ao longo do tempo. tenho estado sempre cansada. desde que tenho memória, lembro-me de estar cansada de alguma coisa, de ter sempre algo que me canse e que me farte. bem, já não estou. já não estou cansada, nem farta, nem nada. estou bem, em paz de alguma forma. perdi muitas pessoas neste meu percurso e ouvi verdades duras, mas foram isso mesmo: verdades. não mudava quase nada do que me trouxe até aqui, tenho agora a certeza disso. desculpem. por tudo o que fui mas, que com orgulho, já não sou, desculpem.