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a lareira estava acesa e tu estavas sentado no velho sofá com a capa rota e com uma manta à minha espera. tocava bob dylan no velho gira-discos e tu sorrias, de olhos fechados, ao ouvir a sua clássica gaita e a voz amadurecida. estavas quase a dormir, e digo-te agora o quanto me apeteceu parar aqueles segundos no tempo. ficar ali para sempre, à porta, a olhar para ti como um anjo protector e sorrir ao ver que estavas bem. estava prestes a abandonar-te ali no teu sono, quando te ouvi a sussurrar. ‘onde pensas que vais? vem para aqui’ disseste e sorriste, um daqueles sorrisos enormes que me dão borboletas no estômago, sabes? obriguei-me a não correr para o lugar que me tinhas reservado. quando cheguei, no meu passo controlado e com a cara perfeitamente treinada no espelho da casa de banho de ‘não estou assim tão interessada’, olhaste para mim e riste-te. conhecias-me tão bem, era impossível esconder-te algo. ‘eu amo-te, quando é que vais acreditar nisso? importas-te de deixar de ser teimosa e renderes-te aos meus encantos, por favor?’. ‘por favor digo eu… "meus encantos"? deixa-me rir. isso nunca vai acontecer, meu amor, já me devias conhecer.’ e ri-me, ri-me com a satisfação que já não tinha há muito tempo. abraçaste-me e ficámos assim, em silêncio, a ouvir o ‘blowin' in the wind’. ‘e conheço-te’, sussurras-te ao meu ouvido. não percebi, tenho tendência para me perder no meio das conversas e aquela já tinha sido mais uma conversa perdida na minha mente muito baralhada. ‘sei que me amas, apesar de nunca quereres admitir, sei que sabes que eu te amo. também sei que tens medo por já teres sido tantas vezes magoada. sei que choras durante a noite, quando achas que ninguém te está a ouvir e abafa-lo com a almofada. sei que te fartas com facilidade e que quando assim é, o melhor é dar-te espaço. mas também sei que odeias da mesma forma que amas que te dêem espaço. amas demasiado a tua liberdade para abdicares dela, mas não consegues viver sem alguém ao teu lado. és uma princesa com mentalidade de mulher pronta a mudar o mundo. és uma romântica incurável, com o maior coração de todos cheio de sonhos e frases pré-construídas que esperam que te sejam ditas. e tudo isto enquanto dizes que amar não é para ti. talvez não seja eu o homem que te saberei dizer essas frases, mas amo-te, disso não duvido.’ disseste por fim. fiquei calada, nada do que eu dissesse poderia alguma vez comparar-se ao que tinhas dito. era verdade. era uma romântica incurável e chorava. era também verdade que apesar de dizer que não sabia amar, precisava tanto de amor como de ar. e que apesar de todas as desilusões e ilusões que já tinha tido, continuava a precisar dele. e o mais correcto de tudo era que sim, amava-te. à minha maneira, mas amava-te. amava o jeito com que dizias as coisas. os sorrisos e gargalhadas que davas. a maneira como olhavas para mim quando achavas que estava distraída e a forma com que gozavas comigo. amava o facto de te preocupares comigo e quereres o meu bem. amava quando amuavas. amava a tua forma carinhosa de cuidar de mim e de te maravilhares quando eu ria das minhas piadas sem piada, quando o que devias achar era que eu não era normal e que era uma histérica. sorri e fiquei assim durante muito tempo, no teu abraço quente. não precisávamos de mais palavras. tu sabias tudo o que me passava pela mente e sabias que eu te amava. éramos como um só e continuámos a ser, mesmo depois de já não se ouvir o bob d. a cantar e de um novo dia ter nascido. sempre fomos um só, para ser sincera.