sai. fui até onde não podia, até aos campos desmanchar. fiz que não recebi o recado, não irei para casa. irei correr por estes campos até o dia aparecer, não o sol. irei recolher as flores que me foram pedidas e irei pisá-las sobre o solo amargo. darei voltas e voltas até o solo me amparar. irei escrever nas árvores o amanhã e nada mais lhes darei se não a oportunidade de receber o futuro. as pedras atirarei contra o teu muro, darei mais voltas e voltas ao luar, eis que sou amparada. acendes um cigarro, nada mais tens para passar o tempo. ao que recebo a tua carta «tragédia, descansa a dor». era o dia.
no silêncio do teu corpo, vi a tua alma. estava calada e triste. de seguida, sorriste para mim como quem sorri para um oceano sem me confessares que tinhas percebido aquele olhar. fumavas um cigarro malboro clássico, cintilante e surdo, ouvindo The Killers no rádio da tua cozinha, baixinho. parecia que tinhas medo de acordar o silêncio, de acordar a humidade na superfície das tuas mãos.
acordo. foram todos embora, tenho o caos imaginário e desgastante. albergo em mim algo estranho, não quero, não posso fazer caso, faço-me dormir. faço-me despertar mais uma vez com um grito e por hoje o meu sono não pode mais. ando. ando até à cozinha para ver o que tenho, encho-me com nada, nada mais há. a tristeza ficaria bem mas nem o gira discos quero ligar. vagueio em casa, vendo onde fica melhor a podridão e encaixo-a no sítio indicado, debaixo da tua cama. procuro algo que tenha sobrado para beber, não bebo mais que o doce vento. faço-me sair de casa, não a encaro mais hoje. antes da triste fuga, vejo algo deixado na mesa, corro para ler. «tragédia, traz-me flores». era a noite.
quando tento adormecer, à noite, os meus pensamentos emergem, preenchendo o soalho cansado do meu quarto e são imensos. fico ali, deitada, de cabeça virada para o tecto, sem conseguir desligar-me deste mundo durante as horas que correm pela madrugada. inevitavelmente, invadida por sonhos de olhos abertos, penso no que fiz e no que devia ter feito naquele dia ou nos dias que me escaparam pelas mãos. devaneio, sim. pensando em beijos de filme ou em lições de vida que retiro de um documentário ou de uma série americana. fico em silêncio, assim, pelo menos na primeira hora, a delirar com promessas e amores platónicos que penso tê-los debaixo da minha cama.
estou a tentar dormir, mas as vozes na minha cabeça falam demasiado alto e relembro-me de todas as coisas que fiz. viro-me para o lado, encaro a parede e respiro devagar. fecho os olhos, abro-os, fecho-os novamente. agora vejo a face dele, tu sabes, o rapaz de quem falei. agora sei que não vou ser capaz de dormir. suponho que seja por isto que as pessoas sofrem de insónias; as vozes não se vão embora, as memórias continuam a voltar e as pessoas perseguem-nas no escuro da noite. ligo as luzes, sento-me na beira da cama e choro. só um bocadinho, só para ser mais fácil respirar. apago as luzes e tento dormir novamente; vai ser uma longa noite.
quando eu era pequena costumava ler contos de fada. nos contos tu conheces o príncipe encantado e ele é tudo o que alguma vez quiseste. nos contos o vilão é sempre fácil de se encontrar. está sempre a usar uma capa preta, logo, sabes sempre quem ele é. depois cresces e acabas por te aperceber que o príncipe encantado afinal não é tão fácil de se encontrar como pensavas. apercebes-te que o vilão não usa uma capa preta e não é fácil de se encontrar também; ele é realmente divertido, e faz-te rir, e tem o cabelo perfeito. ts
não me apaixonei porque já não o faço,
mas encantei-me, como sempre acontece
por todos os lugares que passo,
por este rapaz bocejador de vidas
que acredito ser quem melhor me conhece.
penso isto porque iludo as pessoas,
mesmo antes de me iludir a mim,
sorrindo sempre nas alturas menos boas
e acreditando sempre que todo o mal tem um fim.

(excerto de um poema escrito no 10º)
e é hoje. sem saber o que sentir, é hoje que começa uma nova etapa. e mentiria se dissesse que não estou completamente apavorada, mentiria mesmo muito.
as metáforas são perigosas. não se brinca com metáforas. o amor pode nascer de uma simples metáfora.
"é natural que quem quer "elevar-se" sempre mais, um dia, acabe por ter vertigens. o que são vertigens? medo de cair? mas então porque é que temos vertigens num miradoiro protegido com um parapeito? as vertigens não são o medo de cair. é a voz do vazio por debaixo de nós que nos enfeitiça e atrai, o desejo de cair do qual, logo a seguir, nos protegemos com pavor." mk
gosto de reler livros. não passaria sem café de viena e chico buarque a acompanhar. nunca andei com alguém tempo suficiente para saber o que seria amar sem fronteiras e isso faz-me sentir insensível quando deveria fazer-me sentir forte e independente. às vezes sussurro quando não preciso só porque gosto da maneira como o ar passa entre os meus dentes. apaixono-me por toda a gente que conheço apenas para me desapaixonar logo no dia seguinte. simples.
é um amor que não é amor. mas eu não minto, sinto-me bem. um abraço tão discreto que ninguém dá por ele. um sorriso de meio segundo apanhado por fracções de tempo. ando sempre a tentar não tropeçar, sempre com medo que se der uma queda já não me levante e agora isso anda mais intensificado. seguro-me por enquanto contigo, enquanto cá estás na minha vida porque toda a gente parte um dia. mas repito, baixinho, baixinho, de modo a que me ouças sem distracções e sem cometer erros: isto é um amor que não é amor. promete-me que não te esqueces disso, nunca, por momento algum. promete-me.
é estranho como no final, o verão parece sempre escapar-nos entre os dedos. este mais do que qualquer um evaporou-se sem ninguém dar conta. perdeu-se em dias enfiados na cama devido à preguiça, em tardes em casa de amigos a fazer tudo e coisa nenhuma, em noites de que a memória é pouca ou nula. perdeu-se em livros que se deviam ter acabado de ler e não se leram, em pores-do-sol que deviam ter sido assistidos e ficaram sem espectadores, em conversas que foram adiadas. tudo é novo agora e não sei o quanto isso será extremamente assustador. continuo a pensar que ando bem em cordas de equilibrista e, se cair, levanto-me mas prendo-me sempre a pensar no dia em que não será assim. estou com medo porque agora tudo é estranho. o verão escapou-se-me entre os dedos.