fiquei paralisada, o pensamento quebrou-se, os músculos não se mexeram mais. não me lembrava da existência daquele caderno e quando o encontrei foi como se tudo o que se passou naquela fase voltasse só de reler todas as páginas e páginas que tinha escrito a tentar tirar a tristeza instalada já nos ossos. não tinha ideia na altura do que estava a fazer, do erro que cometia.
basta uma vez. pode ser superficial, mas basta uma vez. ficamos atraídos pelo sangue e pensamos que podemos ficar reduzidos a apenas uma pequena área do corpo, pequenos cortes superficiais que rapidamente saram e desaparecem. rapidamente se descobre que não é assim. a minha pele está a arder, tenho as mãos a tremer e a cabeça pesa. a minha visão está a ficar turva enquanto tento afastar do pensamento, evitar entregar-me. não consigo, não consigo. no entanto, sei que consegui. já se passaram anos e sei que hoje penso no quão incorrecto foi. haverão sempre ideias erradas sobre este assunto porque nunca ninguém o põe em cima da mesa. a verdade é que isto não é coisa de filmes, não somos influenciados por seitas americanas, não o fazemos por sermos crianças. fazemos porque queremos sentir alguma coisa para além do que já sentimos. não é uma questão de ser fraco, é uma questão de ainda não ter aprendido a lidar com os problemas. lembro-me perfeitamente o dia em que deixei de o fazer. estava lentamente a tornar-se um hábito e nem me apercebi. só continuamos porque não sabemos onde nos estamos a meter. basta uma vez. mesmo que superficial, o sangue que sai atrai mais do que afasta. basta uma vez e toda a nossa vida muda.