os braços pesam-me, as costas doem-me, os pés e as mãos estão hoje frias, mais frias do que o habitual e mesmo com 3 pares de meias e luvas o frio não passa. dói-me a cabeça de não conseguir dormir e miles davis continua a preencher-me cada centímetro do quarto já escuro. estão a ser dias maus.
voltei a envolver-me em projectos para não pensar no que me atormenta. a minha vida está cheia deles, de projectos. e o mais triste? são inacabados.
já desisti. na verdade, nunca tentei completamente, mas agora também já não tento. o pior no meio de tudo isto é não saber. não saber o que pensas, o que eu penso, o que se passa e o que já ou ainda não passou, neste caso. desisti porque sei que não vale a pena. e eu que estou cheia dela, já viste?
não consigo parar de ouvir miles davis e relembro agora a maneira como chorei há uns dias no autocarro como se não houvesse dia seguinte. naquele momento, ao ombro duma amiga, sabia ter confidenciado o meu maior medo. deixara de acreditar em amor e tudo o que estaria relacionado com ele era num mundo bem distante e deixado para trás há muito tempo. hoje não consigo deixar de me sentir nojenta, porque se calhar percebi o que não queria perceber. racionalizei demasiado, demasiado meu querido e perdi o amor próprio também, simplifiquei-me e fui como se fosse simples. não sou, não somos. agora tenho nojo e ele não passa, não agora. não enquanto eu não souber que são apenas coisas da minha cabeça. e queres saber? acho que não são só coisas da minha cabeça, meu querido. não são, pois não? diz-me vá.
olhaste para mim e viste-me a alma. acontece sempre assim com as pessoas que menos espero e depois acabo por me sentir estúpida por momentos antes achar totalmente o oposto do que a pessoa realmente é. eu olhei para ti, olhos nos olhos, e encontrei-me. a patrícia de que falavas estava cá e não pude sentir-me mal com isso. 
se calhar tornei-me demasiado prática para o meu próprio bem. eu ainda gosto de beijinhos no pescoço e de beijinhos à esquimó. ainda gosto de abraços na cintura e de palavras sussurradas. ainda sou pessoa de mãos dadas por breves momentos e de longos passeios ao pôr-do-sol. no fundo ainda acredito um bocadinho no amor, naquele que me mete tanto medo, e não sei porque me quero esquecer disso.
voltei a fazer o que mais gostava. voltei a pegar nos meus livros favoritos e a tê-los ao pé de mim, voltei a apaixonar-me pela fotografia, voltei a ter projectos, e voltei a sentir-me um bocadinho mais preenchida com pedaços de uma patrícia que já não via há muito tempo. aprendi das piores formas o que é perder-se dentro de si mesmo e sinto-me abalada só de pensar nesses tempos. estou mais calma, mais sincera, mais pacífica. sinto-me relaxada maior parte do tempo e a ver um inicio do ano melhor do que alguma vez esperei. vai ser um bom ano, tenho a certeza que sim.
o tempo foi passando e o ano que nos correu pelas mãos foi-se demasiado depressa entre erros atrás de erros, promessas quebradas e corações partidos. fiquei todo este tempo à espera de me conseguir mentalizar que aquele ano acabou, está no passado e não volta mais, que agora o tempo é outro, que agora eu sou outra também. claro que não é como se tivesse mudado num segundo, como se magicamente quando o ponteiro chegou à meia noite do dia 1 eu fosse outra pessoa. mas apercebi-me nesse momento do que já não era. fiquei demasiado tempo à espera de me mentalizar e acho sempre que as coisas ainda me perseguem, não têm fim como deveriam ter. o tempo está-me a fugir e eu já não corro atrás.