“E assim, aos poucos, ela esqueceu-se dos socos, pontapés e golpes baixos que a vida lhe deu, lhe dará. A moça - que não era alcoólica, mas também tem olhos de ressaca - levanta-se e segue em frente. Não por ser forte, mas sim pelo contrário: por saber que é fraca o suficiente para não conseguir ter ódio no seu coração, na sua alma, na sua essência. E ama, sabendo que ainda vai chorar muitas vezes. Afinal, foi chorando que ela, tu e todos os outros, vieram ao mundo.”
Tu dizias que não gostavas de escrever quando estava frio e eu segui-te os passos. O meu cérebro fica demasiado parado e as mãos, demasiado congeladas, não se movem com a leveza com que eu gosto de escrever. Por isso é que abandonei isto nos dias em que, de tão frio que estava, não me sentia nem sentia coisa alguma. A primavera chegou mas está a desaparecer novamente entre nuvens e dias cinzentos, embora há uma semana atrás tenha trazido consigo as noites de verão que não chegaram cá em 2012. Foi numa dessas noites que, do terraço, vi as luzes dum avião contra o céu limpo cor de tinto e desejei estar dentro dele. Não importando mais nada, só queria sair daqui, perder-me noutra cidade para parar de me perder em ti. Só queria ir para longe, para um sítio com calor onde as mãos ficassem prontas a escrever e onde tivesse a cabeça e o coração leves, leves, leves que nem uma pena.