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"tu até podes não ser o seu primeiro, o seu último ou o seu único. ela amou antes e provavelmente vai amar outra vez. mas se ela te ama agora, o que é que importa o resto? ela não é perfeita - tu também não és, e vocês os dois podem nunca vir a ser perfeitos juntos, mas se ela te consegue fazer rir, pensar duas vezes, admitir que é humana e que por isso comete erros, agarra nela e dá-lhe o máximo que puderes. ela até pode não pensar em ti todos os segundos do dia, mas ela vai dar-te uma parte de si que sabe que podes partir - o seu coração. portanto não a magoes, não a mudes, não analises nem esperes mais do que ela te consegue dar."

e era isto
sento-me mais uma vez à secretária e recomeço a escrever uma história de amor. é sempre uma história de amor, já reparas-te? olho à minha volta. tenho o quarto desarrumado mas o cansaço é tal que não tenho forças para hoje arrumar seja o que for. lembras-te quando me dizias que eu tinha sempre o quarto desarrumado e me explicavas como isso te encantava? eu lembro-me que dizias que um quarto desarrumado era uma das coisas mais mágicas que eu tinha e de como ficavas a olhar para mim por um minuto com uma ruga de perplexidade formada na tua testa quando me pedias para te emprestar algo (e nisto pensavas uns momentos antes de me pedires para tentares que fosse uma coisa difícil de encontrar) e eu ta estendia três segundos depois do pedido feito. lembro-me que achavas isso maravilhoso e adoravas esse jogo para mostrares aos meus avós, quando eles refilavam, como eu na verdade sentia aquele quarto arrumado, à minha maneira. eu maravilhava-me contigo e tu comigo, sempre foi assim.

quando vem o calor, abrimos as portadas e passamos as noites cá fora. ligamos o candeeiro da rua e sentamo-nos na cadeira de baloiço. calam-se as cigarras e há um silêncio repentino que atravessa os pinheiros que irrompem do pátio, destruindo o chão, que atravessa as ribeiras que se conseguem ouvir quando se está muito concentrado e as estradas de terra batida. escutamos sempre em silêncio o último grito dos pássaros de regresso a casa: o cuco, lá no fundo do vale, o mocho que habita a parte superior da nossa lanterna marroquina e um bando de aves em direcção ao sol poente. se for noite de lua cheia, apagam-se as luzes dos candeeiros e velas e ficamos com o luar que recorta nas paredes despidas de cor a silhueta das bunganvílias. há um som constante da água que cai no tanque, como o fluir do tempo, e um murmúrio do vento atravessando os ramos do limoeiro.
tu sabes que quando vem o calor, o teu lugar sempre foi ao meu lado. ao abrir as portadas e passar as noites cá fora, portanto, vem.

destroços e destroçados

"pela última vez, deito-me na cama larga com o cobertor de penas. é a última vez que apago o candeeiro de pé e ando às escuras até à borda desta cama e começo a comer os chocolates da kinder que me deixaram na mesa. pela última vez acordo e deparo-me com o chuveiro com estores de madeira à minha frente. é a última vez que me chamam e que temos a nossa conversa inglesa matinal enquanto como os cereais com leite gelado. é a última vez que saio de casa ainda de noite com a jasmim, para sentir a neve e ir para a escola. desta vez, eu sei que é o último nascer do sol que vejo aqui, que é a última vez que percorro este caminho verde. e na verdade, estou feliz. pela primeira vez não penso em mais nada se não o que é real e se depara diante de mim. adeus alemanha, adeus."
outubro. diário de bordo
alemanha (e a foto foi tirada na última manhã)